O Presidente do Mukhero (Associação de Pequenos Importadores Informais de Moçambique), Sudekar Novela, alerta que o país pode enfrentar escassez de alguns produtos de primeira necessidade na quadra festiva sobretudo a batata, cebola e o tomate, caso as manifestações convocadas por Venâncio Mondlane se prolonguem por mais dias.
Vamos falar acerca da disponibilidade de alimentos num contexto em que temos paralisações sucessivas de atividades. Sabemos que a Associação Mukhero reúne vários comerciantes que importam produtos de forma informal de vários países para comercializar no país. Bem-vindo, Sudekar, a este espaço.
A primeira questão que eu coloco é: de que forma é que esta paralisação de atividades ou estas manifestações que estamos assistindo no país estão a afetar aquela que é a vossa actividade?
Muito obrigado. Boa tarde!
Bom, sempre que há manifestações dessa natureza, ou seja, de qualquer forma, as manifestações sempre afectam diretamente as nossas actividades, e, naturalmente, de forma negativa, porque, enquanto houver manifestações, é impossível a importação de bens dos países vizinhos para o nosso. Neste caso concreto, estamos a deparar com dificuldades de movimentação de mercadorias dos países vizinhos para Moçambique, como de Moçambique para fora do país. Desde que estas manifestações começaram no dia 21, 24 e 25 do mês passado a esta parte , estamos a enfrentar dificuldades de importações de mercadorias por conta do medo que paira entre nós, tanto para os comerciantes como, também, para os clientes. Não é fácil enfrentar manifestações à busca de algum produto no mercado ou à venda do produto no mercado por conta do medo que se instalou no país por causa das manifestações. Portanto, é isto que me ofereço dizer, que neste preciso momento temos dificuldade de trazermos mercadorias para o país, como também o consumidor tem medo de se deslocar ao mercado grossista do zimpeto, por exemplo, ou para qualquer outro mercado que pretender porque terá que atravessar ruas para chegar a qualquer mercado. Como sabem, todo lado quase que está em um dado dos manifestantes.
Apontou aqui um dos constrangimentos, que é esta questão do medo que as pessoas têm tanto para ir às suas bancas, aos seus locais de trabalho para comercializarem produtos, mas, também, o medo por parte dos consumidores. Há aqui um outro aspecto, que é o corte da internet que estamos a assistir no nosso país. Até que ponto este corte está a afectar o processo de desembaraço aduaneiro? Será que aumentou o tempo de espera para fazer os despachos das vossas mercadorias?
Sem dúvida! Sem dúvida! É o que temos assistido, chegado na fronteira, por exemplo, dos dias anteriores que se observou esta manifestação, alguns camiões se encontravam do outro lado da África do Sul, mas quando anunciamos que nos dias subsequentes já não havia manifestação, podiam entrar, enfrentamos esse problema, portanto o corte da internet, que é determinante para efeito do desembaraço aduaneiro. Quando não há internet, tudo fica parado, os bancos, uma gama de trabalho que deve ser feito via internet, tudo fica bloqueado, por tanto, esse é o outro grandíssimo problema que nós estamos a enfrentar.
Diante desta situação, vocês como importadores de mercadorias têm compromissos com os fornecedores. Como é que está a ser essa relação com os vossos fornecedores a estas alturas?
O relacionamento continua activo, só que já não há aquela fluidez tanto na compra como na movimentação dos caminhões que trazem a mercadoria. Como podem ver, em algum momento, por exemplo, temos que dizer, olha, parem deste lado, uns 4 ou 5 quilômetros da fronteira, do lado sul-africano. Temos que mandar parar os caminhões para não entrarem e chegar no quilômetro 4, para evitar grandes congestionamentos por falta da internet. Então, é mais preferível que fiquem do outro lado, até que a situação se restabeleça.
E qual é a comparação que faz nesse tempo de espera? Como é que era antigamente? Quanto tempo, por exemplo, um caminhão ficava à espera para fazer esse desembaraço aduaneiro? E quanto tempo espera actualmente por causa dessa situação que está existindo no país?
Olha, antes dessa situação, o tempo de espera era, por aí, devido à burocracia em si, cerca de 5 horas de tempo, mas agora, espera-se mais que isso, se não dias, porque dá-se a situação de o camião entrar numa altura em que a internet disponível é lenta ou não existe.
Como consequência, dessa lentidão, os camiões ficam mais tempo do que o normal, ficam um a dois dias.
A estas alturas, já é possível calcular os prejuízos que esta situação está a trazer aos importadores informais de mercadorias?
Bom, os prejuízos são enormes porque, como sabe, muitas das vezes a batata em si, e os sacos em que são ensacadas, produzem calor por dentro. Só dá mesmo, depois do carregamento, no máximo ter um dia de passagem até ao mercado grossista de Zimpeto para ser vendido. E não acontecendo, tendo que ficar um ou dois dias na fronteira, não importa de que lado, e chegar no mercado, não haver rapidez da sua venda por falta de clientes, então, acaba ficando três, quatro, cinco dias, e aí, a batata apodrece porque é um produto muito frágil, facilmente deteriora-se diferentemente de outros produtos que, pelo menos, aguentam um pouco mais.
E é possível quantificar a estas alturas, em termos de quantidades perdidas, por exemplo, da batata, do tomate e de outros produtos, em termos de dinheiro concreto que está a ser perdido?
Para isso, seria preciso entrar em contato com cada um dos importadores para dizer que quantidades perdeu e o que significam essas quantidades em termos de dinheiro. Só que ainda não fizemos. Mas, penso que nos próximos dias podemos fazer esse levantamento para sabermos mais ou menos quanto é que em dinheiro se perdeu por causa desta situação.
Falou aqui de um aspecto logo no início desta nossa conversa, que é o medo que existe por parte dos importadores de mercadorias. Como é que tem sido o protocolo do transporte da mercadoria, das fronteiras nacionais, para o local de venda? Mudou alguma coisa?
Não. As viaturas que transportam mercadorias continuam a circular normalmente. Não há nenhuma escolta. Pensamos nós também, não há necessidade. Só que há sempre este medo porque a manifestação popular é diferente de uma manifestação de um grupo ou de uma classe de profissionais, dado que estes conseguem controlar o seu grupo, conseguem controlar os ânimos, quanto a manifestação popular, como o nome diz, junta diversas pessoas, diferentes. A forma como as manifestações devem ser feitas, acabam mesmo aparecendo pessoas que mexem com bens públicos e privados. Então, este é o medo que se tem, porque, na verdade, não há nenhum problema para trazer para o país mercadorias, porque todos precisamos. No fim do dia, no fim da manifestação, todos precisamos de termos alguma coisa em casa para comer. Então, não vemos qualquer perigo, mas acabamos, mesmo assim, tendo medo de circular justamente por causa do comportamento de algumas pessoas mal intencionadas nas manifestações.
Neste contexto todo, os importadores informais que fazem parte dos Mukheristas, como vulgarmente tem se chamado, já têm registro destes assaltos nas suas bancas ou lojas?
Bom, já ouvimos que há alguns assaltos por aí, há algumas barracas, mas ainda não em grande número. Por exemplo, aqui em Maputo ainda não registamos, mas nas províncias, por exemplo, já acompanhamos que houve vandalização de algumas barracas, mas quero acreditar que talvez tenham alguma ligação, as pessoas conhecem perfeitamente de quem é por aí em diante. Entretanto, por enquanto, em Maputo ainda não há relatos.
E já existe algum trabalho no sentido de reforçar a segurança para que estas situações não se expandam para os outros comerciantes?
Bom, nós em termos de segurança não temos nada a dar, isso extravasa a nossa capacidade. A segurança é como o Estado, agora, o que nós temos apelado é que, nesses dias de manifestações, temos que ter cuidado de não estarmos a abrir quando o aviso está aí. Quando nos avisam que, olha, estaremos aqui a colar assim, a fazermos isto, melhor é não abrir, não arriscar.
E diante desta situação toda, como é que estamos em termos de disponibilidade de alimentos? Vem aí a quadra festiva, há produtos suficientes para abastecer o mercado?
Bom, até aqui, onde nós já adquirimos os produtos, existem sim. Mas a situação está do nosso lado. Não se sabe até quando irão estas manifestações de pânico.
Bom, e se considerar-se que, tal como nós estamos a sentir, dúvida, enquanto a manifestação prevalecer, acredito eu que teremos dificuldade para abastecer o mercado até a quadra festiva. Mas se considerar que esta situação não pode continuar por mais tempo e criar-se um espaço apropriado para o diálogo, com vista a ultrapassar esta situação, nós podemos garantir que sim, teremos stocks suficientes em tempo útil para fazer face à quadra festiva.
E quais são os principais produtos nesta questão? Por exemplo, se tivermos um cenário de continuidade, estas manifestações poderão escassear-se no mercado?
Poderemos ter falta de batata, cebola, tomate, produtos de primeira necessidade, sobretudo, poderão se escassear porque são produtos que são usados a qualquer altura, até a quadra festiva. São produtos perecíveis, porque, por exemplo, como estava a dizer, se a manifestação prevalecer, poderíamos ter dificuldade de abastecer o mercado, então, logo, é uma chamada de atenção. Se não fosse o problema da fragilidade desses produtos, da primeira necessidade, muita gente haveria de comprar e guardar em casa. Mas, olha, hoje estamos dia 5 de novembro, nunca se pode comprar batata para dia 25 de dezembro. Então, quer dizer, só é possível comprar mesmo em dezembro, o que significa que nós devemos arregaçar as mangas e trabalhar cada vez mais, de modo a não permitir que haja ruptura naqueles dias.
Isso tudo acontece num contexto em que há dificuldades também de conservação destes produtos no mercado. E essas dificuldades continuam, certo?
Continuam mantendo-se, infelizmente!
E como é que têm feito, por exemplo, agora a situação é mais grave, como é que têm feito para poder conservar os vossos produtos? Temos o maior mercado grossista, que é o do Zimpeto, em Maputo. Como é que têm feito para conseguir conservar estes produtos?
Não há nada que está sendo feito, porque isso já ultrapassa a capacidade do próprio importador. Quem devia fazer isso é o Conselho Municipal, que devia criar infraestruturas apropriadas para a conservação dos produtos, de modo que não pereçam. Como pode ver, muitas das vezes eu tenho dito que quer a batata tirada na machamba como a batata que se compra no Zip Deep Market, como em Joana Market, essa batata é tirada em armazéns com ambiente de uma temperatura bem baixa de conservação, e nós, infelizmente, chegamos com os nossos caminhões abertos, compramos e carregamos. Depois, tampamos com a lona. É só imaginar que, debaixo da lona, a temperatura é muito mais alta ainda, é por isso que, nessas alturas, por exemplo, de dezembro, que há congestionamento nas estradas a caminho de Maputo, o caminhão carregado de batata ter que ficar um, dois, três dias na bicha e depois conseguir atravessar a fronteira, chega no mercado no mercado grossista do Zimpeto a jorar água, essa água é da batata que está a ficar cozida, que acabava de sair de um sistema de frio para ser coberta com lona que atinge até, certamente, 150 graus. Então, essa batata está fervida e, quando chegar no mercado, tem que se fazer seleção daquela que escapou e daquela que deteriorou para deitar fora. Por isso, não tem sido verdade, como tem-se o costume de dizer, que elevamos o preço da batata e consequentemente apodrece, não é bem assim. A batata só se estraga justamente por causa das altas temperaturas de que é transportada.
Já há bastante tempo que se fala de criar um sistema de refrigeração, principalmente no mercado grossista do Zimpeto. Como é que ficou esse projeto? A edilidade diz alguma coisa? Sabemos que já haviam montado alguns sistemas de refrigeração. Como é que está este processo todo?
O que me recordo que se tentou fazer foi, talvez, em 2012, 2013, por aí. O Ministério da Indústria e Comércio tentou resolver esse problema, colocando ali dois contentores com sistema de frio. Mas esses dois condutores só chegam, talvez, para um ou dois camiões. Note que cada contentor é um camião, por exemplo. São quantos importadores que estão a trazer batata no mercado grossista do Zimpeto? Então, a solução desse problema passa, necessariamente, de se construir um pavilhão ou mais. Quando digo um pavilhão, olhando para aquilo que é o espaço do mercado grossista do Zimpeto, porque é pequeno para esse tipo de trabalho. Descarregando ali só podem caber dois pavilhões.
Mas vale a pena do que sem ter nada, onde todos os caminhões que até que entram no mercado grossista do Zimpeto, podiam lá caber um sistema de frio. Descarregar e sair para fora e fechar sempre que terminarem suas atividades, fecharem os pavilhões, assim sucessivamente. Aí estaria a garantir a qualidade do produto que é vendido, no mercado grossista do Zimpeto. Agora, por causa da falta dessas infraestruturas, só pelo facto da ausência do cliente no mercado, regista-se perdas incalculáveis de batata, justamente porque estamos a registar, também, temperaturas altas aqui no país. É uma situação lamentável. Agora, a qualidade, apesar de terem sido colocadas essas preocupações durante a campanha eleitoral, e que quero acreditar que através de contatos individuais, tenha sido rematada esta questão de se colocar lá infraestruturas próprias com sistema de frio para a conservação das mercadorias, ainda não ouvimos nada de concreto a ser feito. É algo que estamos à espera e quero acreditar que o próprio Conselho Municipal já tem consciência disso. Um dia, talvez, vai acontecer.
Outro aspecto importante que já estava aqui a fazer referência tem a ver com o preço dos produtos alimentares. Nos últimos dias, coincidência ou não, estamos a assistir ao agravamento de alguns preços de produtos, por exemplo, a questão do coco, das bebidas não alcoólicas, estamos a ver que os preços já estão a subir. O que pode estar a explicar esta questão da subida de preços nesta altura de manifestações que estamos a registrar no país e também de alguma paralisação das actividades?
É muito complicado porque, por exemplo, desses produtos que fiz referência aqui, alguns são daqui do país, são produzidos aqui. Mais uma vez, dizer que, como se sabe, por causa das manifestações, muita gente já não pode descer para baixo por conta do medo, já não pode atravessar muitas ruas à procura deste e daquele produto, acaba sendo obrigado a ter que se dirigir a uma barraca vizinha, porque, também, os vendedores registam pouca fluência de clientes. Então, cada comerciante que tem consciência de que se chega até ele é porque há problema, e então, acaba surgindo aqui o oportunismo por parte de alguns vendedores desonestos. Eles não conseguem se movimentar para além por conta das manifestações. Então, significa que o preço com que comprou o estoque que tem ainda na barraca continua o mesmo. Assim sendo, não há aqui nenhuma necessidade de agravamento de preço, se formos falar dos produtos locais.
E está a existir algum trabalho para desencorajar a estes comerciantes desonestos que praticam esses atos de especulação, por parte, por exemplo, da vossa associação, já existe algum trabalho para sensibilizar a não se fazer essa prática ou a não pautar por esta prática?
Bom, infelizmente, mesmo querendo fazer, não temos como o fazer, por uma razão muito simples, este trabalho já é das autoridades. Não cabe a nós termos que desenvolver um trabalho para os vendedores de estabelecimentos comerciais, barracas, por aí em diante. O que nós temos feito, é junto àqueles que estão sob nosso controle. A estes, nós sim, apelamos enquanto não haver motivo que justifique o agravamento do preço, vamos continuar a vender o preço que nos permita que tenhamos a nossa justificada margem de lucro. Read More O País – A verdade como notícia
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