
A Associação dos Escritores Moçambicanos convocou, no passado dia 19, os seus membros para a realização da sua Assembleia-geral, acto que culminará com a eleição de novos corpos sociais. Qualquer eleição a este nível será sempre um jogo, e ao expressar “jogo” não disse “guerra”. Uma guerra ocorre entre inimigos e há morte. Um jogo ocorre entre adversários que se multiplicam em estratégias conducentes à derrota do adversário.
Uma derrota eleitoral não significa o fim último das relações entre os contendores, pelo contrário reaviva a esperança de vitória numa próxima partida. Contudo, depois da eleição passada da AEMO testemunhamos uma espécie de desaparição de escritores, o que nalgum contexto pode significar mesmo morte social, etc. Para a presente eleição decidi, instigado por alguns confrades, candidatar-me ao cargo de Secretário-geral da AEMO.
Como futuro candidato, espero uma disputa diferente, caracterizada por uma campanha eleitoral, onde impere o debate de ideias, sobre projectos apresentados pelos candidatos, condizentes ao progresso da literatura moçambicana: entro nesta disputa interessado em discutir pontos de vista e não pessoas ou supostos erros de secretariados passados.
Mora um pecado original na discussão de pessoas, este que resulta do facto de as agremiações nacionais andarem empenhadas em fazer eleger pessoas e não projectos viabilizadores de algum crescimento institucional, logo a pessoa torna-se alvo preferencial dos debates. Nesta eleição, em que os membros da AEMO têm a oportunidade de eleger o seu XII Secretário-geral, apelaria ainda ao respeito à própria capacidade de discernimento individual, de modo a não mover-se massas intelectualizadas no sentido de votar em pessoas. Nos próximos dias há risco de vermos uma “vara” de “escritores” a caminharem “like zombies” no sentido de voltar em quem um determinado mestre aponta: aquele é o nosso HOMEM. Um escritor é um ser pensante e quem pensa não sente algum incómodo em estar fora do rebanho, pelo contrário, abrirá sempre a trilha do seu próprio destino, levado pelo seu pensamento. Passo a partilhar um excerto de um poema que influencia a minha existência desde que dei conta de ser sujeito homem, “Cântico Negro”, de José Regio: .
“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
E porque estamos no campo literário, e o nosso régio, por cá, uma vez aqueceu a opinião pública ao falar, num dos debates em que participa, de “histeria das massas”. Escritores dignos de sê-lo devem também estar imunes dessa manifestação colectiva de pessoas que acreditam sofrer de uma mesma doença. As artes e a literatura em particular são um campo de rivalidades que podem catalisar a criação de magníficas obras, dada a competitividade associada. Todavia, apenas haverá rivalidade onde existam, no mínimo, dois talentos invulgares. Mas, ocorre no meio disto também a pura inveja pela capacidade criativa alheia. A pura inveja não tem capacidade de combater o talento alheio com talento, há-de sobreviver no meio artístico pela maledicência, recrutando igual mediocridade para formar um rebanho que se alimenta de irracionalidade. Um escritor não é um ser irracional e não deve ir às urnas alimentado de cegos instintos.
Ignorados cegos instintos, tenho comigo a ideia de ser de extrema falta de respeito à inteligência de outrem, nesta altura do campeonato, o desdobramento em meros pedidos de votos. Numa eleição digna da AEMO os membros devem ter a oportunidade de reflectir sobre projectos a serem apresentados por cada candidato, pois simpatia e boa vontade em si não dirigem eficazmente as instituições. Portanto, em respeito aos nossos confrades, sobretudo à capacidade individual de discernimento, de cada escritor, os candidatos que se propuserem a esta eleição, que façam uso do tempo que dista da eleição do dia 26 de Julho para apresentar ideias e projectos, para serem escalpelizadas em tempo útil, sem riscos de induzir o voto a incidir em simples listas de intenções disfarçadas em manifestos eleitorais, sem nenhuma capacidade de execução e meios.
Por uma eleição consciente!
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