
Moçambique atravessa um momento crítico na sua trajectória económica. As estruturas que deveriam sustentar o crescimento e garantir o bem-estar da população estão fragilizadas por uma série de problemas estruturais, desde a informalidade que domina o sector produtivo até à escassez de mão-de-obra qualificada. Esses desafios, longe de serem intransponíveis, exigem uma resposta urgente e coordenada entre os sectores público e privado, aliados a um papel estratégico da academia.
Foi durante a aula inaugural na Universidade do Save, que Hélder Muteia, antigo Ministro da Agricultura e Coordenador Sub-regional da FAO para a África Central, fez um diagnóstico claro e directo sobre os maiores obstáculos que Moçambique enfrenta no seu percurso de desenvolvimento económico. Ao longo de sua intervenção, Muteia não poupou palavras para sublinhar a necessidade de uma mudança de paradigma, apontando tanto as fraquezas estruturais como as oportunidades que, se bem aproveitadas, poderiam transformar a economia moçambicana.
Hélder Muteia iniciou sua análise destacando o impacto negativo da informalidade que predomina no tecido empresarial de Moçambique. Segundo ele, o empresariado nacional ainda se encontra numa fase muito inicial e vulnerável, exacerbada pela natureza informal de muitas unidades produtivas. “A informalidade impede a integração das unidades produtivas nos processos fiscais e financeiros do país, o que, por sua vez, torna impossível a formulação de políticas públicas eficazes para o sector”, afirmou.
Os números são alarmantes: 80% dos operadores económicos do país actuam no sector informal, e quase metade do Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique provém desta área. A informalidade limita a capacidade de inovação, dificulta o acesso a crédito e promove uma concorrência desleal, onde o capital humano e o acesso a mercados ficam comprometidos. A falta de regulamentação e de políticas públicas que integrem estas unidades no sistema económico formal é uma das maiores barreiras ao crescimento sustentável.
Para Muteia, a solução não é a marginalização da informalidade, mas a sua gradual formalização. Ele defende que é necessário criar mecanismos que incentivem os pequenos empresários a dar o passo para a formalização, através de incentivos fiscais, capacitação e suporte à gestão empresarial. “A economia não pode continuar a ser sustentada por unidades produtivas que não cumprem com as normas fiscais e financeiras. Precisamos de um sistema económico que seja inclusivo, mas que também seja justo e eficaz”, sublinhou.
Outro tema central abordado por Muteia foi a questão dos elevados custos de transação, um problema estrutural que penaliza fortemente a competitividade da economia moçambicana. Ele exemplificou o caso do feijão, um dos produtos agrícolas mais consumidos no país. “Num distrito como Sanga, uma lata de feijão que custa 600 meticais pode chegar a 1.200 meticais na Cidade de Lichinga, após percorrer apenas 100 quilómetros. Este aumento de preço não é devido à transformação do produto, mas sim ao peso dos custos de transação”, explicou Muteia.
Os custos de transação incluem desde o transporte, que é encarecido pela má qualidade das estradas, até os obstáculos impostos pela burocracia e pela insegurança ao longo das rotas comerciais. Muteia afirmou que o sistema de transporte e a regulação do mercado em Moçambique são extremamente ineficazes, tornando as trocas comerciais mais caras e, consequentemente, elevando o custo de vida para os cidadãos.
Além da informalidade e dos custos de transação, a falta de mão-de-obra especializada também se destaca como um dos principais desafios que o país enfrenta. Hélder Muteia foi enfático ao afirmar que o sistema educativo de Moçambique ainda não consegue formar profissionais adequados para os desafios do mercado. “Os jovens saem das universidades com diplomas, mas sem as competências práticas necessárias para o desenvolvimento do sector produtivo. Isso limita não apenas a competitividade das empresas, mas também o desenvolvimento económico do país”, alertou.
Muitos dos recém-formados são incapazes de se integrar eficientemente no mercado de trabalho, pois não possuem as habilidades técnicas exigidas pelas empresas. O empresariado, por sua vez, sente a falta de uma mão-de-obra qualificada para impulsionar a produtividade e a inovação. A solução, segundo Muteia, passa por uma maior articulação entre o sistema educativo e as necessidades do mercado, com um enfoque na formação técnica e vocacional, para que os jovens possam ter uma formação prática e uma inserção rápida no mercado de trabalho.
Para Muteia, a chave para a resolução desses problemas está na colaboração entre a academia e o sector empresarial. Ele defende que as universidades devem assumir um papel mais activo na formação de profissionais qualificados, capazes de inovar e contribuir directamente para o desenvolvimento económico do país. “Os grandes avanços da humanidade sempre foram possíveis graças à colaboração entre academia e empresas. Moçambique precisa de um modelo semelhante, onde as universidades formem pessoas com competências práticas, e as empresas forneçam os recursos e a experiência necessária”, afirmou Muteia.
Além disso, a academia deve também ser parceira na criação de soluções inovadoras para os problemas estruturais que o país enfrenta. “A academia pode ajudar a desenvolver soluções que melhorem a gestão da economia, a eficiência dos processos produtivos e a competitividade das empresas”, concluiu.
Um dos pontos mais controversos abordados por Muteia foi a exploração de gás e petróleo. Para o ex-ministro, a dependência excessiva dos recursos naturais pode ser perigosa para a economia de Moçambique. “A exploração de gás pode ser um presente envenenado se não for gerida com responsabilidade. Embora os recursos naturais possam gerar riqueza, é preciso ter políticas públicas que assegurem uma distribuição justa e sustentável desses benefícios”, disse.
Muteia alertou para o facto de que a exploração de hidrocarbonetos tende a gerar uma distribuição desigual da riqueza, concentrando os benefícios nas elites e deixando a grande maioria da população de fora. “É fundamental que os rendimentos provenientes da exploração dos recursos naturais sejam canalizados para um fundo soberano que permita investir em sectores cruciais como a educação, agricultura, a saúde e a infra-estrutura”, defendeu.
Para ele, o desenvolvimento económico não pode depender apenas da exploração de recursos naturais, mas deve ser sustentado por uma base industrial sólida e por políticas públicas que promovam o crescimento inclusivo e a diversificação da economia.
Hélder Muteia concluiu sua intervenção com uma mensagem de esperança e desafio. Para ele, Moçambique tem tudo o que precisa para se tornar uma economia próspera e inclusiva, mas é necessário um esforço conjunto entre o governo, a academia e o sector privado. “Os desafios económicos podem ser transformados em oportunidades, mas precisamos agir com determinação, inovação e responsabilidade”, concluiu. Read More O País – A verdade como notícia
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