Dezembro 17, 2024

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A cómica miséria em Lagartos de Madeira e Zinco de Hélio Inguane

 Disse com graça o nosso saudoso cronista, Juma Aiuba, é preciso ver piada em tudo. E o jovem escritor Hélio Inguane foi consequente na aplicação dessa máxima sobre os seus textos. O livro da sua estreia é composto por temas de grande peso existencial, mas narrados com um elevado sentido de humor que, a nós leitores, nos faz ignorar ou suportar com ânimo a dureza da vida.

Onde há escassez do material de sobrevivência, Inguane chega e introduz o prazer irracional que vai agravar ainda mais a situação económica, que o diga o personagem João Matandza quem gastou os lucros do seu modesto negócio com prostitutas. Onde prolifera a doença advinda de longos anos de exploração laboral, Inguane adiciona a indisciplina que impede o cumprimento da medicação do tio guarda. Onde prevalece a trauma duma terrível emboscada, o autor derrama álcool, mulheres e consequente abandono familiar como analgésico para vida do André Ximovane. E quando a família tenta organizar um pouco da sua imensa pobreza, vêm Joãozinho ou o menino do texto sem título com os seus ingénuos furtos e macaquices. E o John Perigo que é daqueles bandidos que criam um desassossego nos nossos bairros, é retratado como um artista que tem uma morte cinematográfica. Os evangelistas que muito nos têm interpelado nos chapas com palavras divinas, prometendo uma paradisíaca salvação, na escrita de Inguane levam tareia hilariante dos molwenes de Hulene, mal se conseguindo salvar a si próprios. É neste ritmo irónico e burlesco que Inguane nos vai habituar a ver piada em vidas sérias, muitas vezes atordoadas pela miséria.

Lagartos de Madeira e Zinco é um livro que nos oferece um momento aconchegante, não importa o lugar onde estejamos a fazer a leitura. Quem o lê, fá-lo com um sorriso despontado nos lábios de início ao fim, pois longe de servir-se de formas complexas no uso da palavra, o autor tem maior interesse em partilhar a condição humana e experiências de vida de gente que nos é local, familiar e, de certa forma, com vida apoquentada.

Há sentido de humor, há lição moral, há sabedoria nas crónicas de Inguane, o que nos faz indagar o seu profundo conhecimento de vivências que se afigura desproporcional à sua idade juvenil.

Em termos de conteúdo e forma, a escrita do autor moçambicano é deveras substancial por permear as linhas existencialistas e apresentar uma estrutura em que as acções da narrativa, às vezes, iniciam pelo fim e
terminam no meio – uma forma estranha e peculiar de atiçar a atenção do leitor que, uma vez que conhece o fim, fica mais curioso pelo início e desenvolvimento do enredo. Ademais, o nosso autor mostra-se-nos um narrador observador, pouco sério e burlador na sua forma de contar os acontecimentos pela razão de, de quando em vez, nos surpreender ao admitir que esteve a mentir para nós sobre algumas ocorrências,
emendando-se imediatamente. Para uma alma não pequena, tais confissões só servem para dar mais gracejo à narrativa.

Por estas e outras razões estéticas e temáticas, o livro de estreia do autor moçambicano, Hélio Inguane, é um belo convite para um leitor, talvez sofrido, que se pretenda curar, lendo mágoas consideravelmente maiores que as suas. A sua linguagem simples, mas profunda na descrição da miséria e contradições desta vida torna os textos mais íntimos e, ao mesmo tempo, redentores pela particularidade humorística. Nisto, atrevo-mo a afirmar que Hélio Inguane é uma reluzente promessa na escrita moçambicana à moda criativa de Mia Couto e Sérgio Raimundo.

Esperemos, por isso, pelas melhores crónicas de sempre. Read More O País – A verdade como notícia

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